Não seria preciso um beliscão para seres a última da primeira pessoa em
quem penso durante todo o ano. Nos últimos cinco minutos ouço um clique
e vou ao quarto vestir o casaco depois de lavar a cara. Levei a peito
uma afirmação sem jeito. Ainda faço "pác" quando caio de costas. Quase
que me esquecia de me lembrar de ti. Chego a pensar que talvez isso
fosse bom, mas depressa me arrependo. Dizem-me para me concentrar no
desejo que vou pedir, depressa lhes respondo que só quero um Emprego.
Tenho tempo para ver a Madrinha sorrir para mim antes de me levantar
pela última vez este ano. Os olhos enchem-se outra vez de lágrimas e nos
sete, seis, cinco fecham-se num abraço. É sempre nesta parte que sei
que não há melhor passagem de ano do que a minha. Como as passas
atrasada, fecho os olhos e começo a pedir. Que tudo o que estava
suspenso por fios frágeis caia e o que não pertence se renove. Vêm
os primeiros beijos, os abraços e o champanhe que nessa noite se bebe
pela garrafa. Torno a voltar-me para o fogo do canto do terraço de onde
se vêem todos os fogos. Continuo a pensar em ti e, agora de olhos
abertos, a pedir. Que nunca desejes que deixe de pensar em ti como
quando fazes anos, morreste, o Natal chega ou o ano passa. Que continues
a fazer deles as partes boas dos meus momentos maus. Que nenhum de nós
se esqueça da força que possui. No dia seguinte colocam-me a pergunta
"Estavas a chorar de felicidade ou de tristeza?". Não foi o primeiro ano
que me senti dividida na resposta. A dor que ontem sentia pela falta
que me fazes, que tu, um telefonema, uma mensagem e o que quer que já
não se use me fazem, foi hoje atenuada dentro do meu carro com
marcha-atrás, um sorriso, acenos e olás antes do melhor abraço do mundo
com saltinhos da Maria Emília. É olhar para a pessoa que me olha nos
olhos e ver-te reflectida nos óculos de quem me fala. Fiz o que farias.
Não propositado, deixei a traseira do carro no meio da estrada principal
de Cortém mesmo em frente ao armazém, abracei e desejei bom ano a quem
comigo se cruzou. Disse "vai ser melhor, vai ser muito melhor!" com a
mesma expressão e quase que ia jurar que era a tua voz, e recebi o
sorriso que me lembro que costumavas receber de toda a gente que se
cruzava contigo. Só hoje é que percebi que tenho os teus olhos cravados
na parte boa que deixaste no meu coração. Só hoje é que não duvidei que
as pessoas se recordam de ti quando levanto muito os braços e quase toco
com as mãos atrás das costas. Só hoje é que senti que se calhar há
pessoas que te vêem em mim e em muitas das minhas atitudes. Que se
calhar, e só calhar és o motor de toda esta força e positivismo que
encontro sempre quando raspo o fundo do poço e trago maçãs. Por muito
que passem os anos eu vou lembrar de me lembrar de ti. Esse é o melhor
momento de todos os anos. No fim de todos os fogos pararem o desejo de
sempre: Que nunca te esqueças de mim.
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